17 de março de 2024
Estrelas

Dharma ☆

Dharma (despedida)

“Me beijes só mais uma vez, depois volte pra lá.”

Foi esse o último pedido do Dharma.

As horas que levei até chegar no hospital eu sentia em cada célula do meu corpo o seu pedido de ajuda, o seu medo do desconhecido…

“Mãe, quero colo.”

A liberdade em sua plenitude é bela mas também faz sofrer… porque ela impõe uma forma de ruptura entre dois seres que se amam da forma mais verdadeira que existe.

E assim o encontrei, deitado, aquecido, recebendo fluidoterapia, a residente sentada à sua frente, teceu elogios a ele quando eu entrei. ” Ele é um amor”.

Filho, mamãe está aqui, e ele levemente levantou a cabeça.

Pousei meu rosto no seu e chorei.

A residente nos deixou sozinhos, na intimidade da nossa dor.

E nesses instantes revivi tudo, desde seu resgate, as nossas tardes no santuário, as vezes que me deitava ao seu lado e chorava porque estava triste, ele me acolhia como um pai. Pai Dharma.

Doce, meigo, incapaz de fazer algo que machucasse seja quem fosse.

Constantemente em estado de meditação, assim o sentia. Reconciliado com a humanidade, não sentia medo, aceitava tudo que fazíamos para seu bem.

As doenças foram se manifestando, e quando se sentia mal, eu também sentia. Em uma ocasião, ele no soro e eu ( ardendo em febre) sentada ao seu lado segurando pra não sair da veia. Nossas almas íntimas.

Quando alguém me feria, vinha ele me curar.

Quando Bento partiu, eu sentei -me debaixo de uma árvore e chorava sem parar, ele veio e pousou a cabeça no meu ombro e ficou.

Dharma da minha alma.

Um amor tão grande assim também se reconhece no momento da despedida.

Agradeci por sua presença em minha vida, agradeci por seu Amor Imensidão, por ter cuidado do Pacífico, Peregrino, Pequena, Lótus, Tulasi…

Pacífico chorou quando Dharma foi embarcado pro Hospital e ficou uns dias deslocado, “sem ter pra quem voltar”, e esses últimos dias ele pediu pra ficar com Peregrino. E agora entendo, Pacífico sabia que Dharma não voltaria mais.
(lágrimas)

E voltando ao ritual da partida… incenso queimado, mantras entoados e Dharma cada vez menos agitado, os espasmos foram diminuindo.

Toquei seu corpo todo como quem toca uma divindade.

Deitei ao seu lado, abraçada a seu corpo frágil, minha mão em seu coração…

E cantei suas cantigas preferidas.

Cantigas de todo dia.

Cantigas que o faziam sorrir…

E o coração primeiro acelerou, seu corpo tremia, e eu o envolvi no meu mais difícil abraço, o abraço da oferenda, eu lhe dediquei tudo que havia em mim de força para que partisse sem medo. E o abracei com força, seu coração parou, e tudo ficou escuro pra mim.

Fiquei ali, recuperando energia… E chore, chorei.

Choro agora, amanhã e depois.

E não haverá um dia que meu coração esquecerá de Dharma e seguirei mais forte, mais certa, mais serena, mais disposta a auxiliar os cavalos nesse processo de libertação.

Nossa humanidade tem maltratado demais esses seres, e eu quero ser colo que acolhe, até o momento da despedida.

Sim, estou sofrendo, mas não desejo ter nada abreviado, eu suporto cada dor que parece estrangular meu coração, mas sei que essa é minha missão nesse tempo e espaço, salvar pra vida, salvar pra morte, para que haja um renascimento doce.

Dharma é o Amor Meu.

E eu só posso sentir gratidão por ter recebido tanto amor de um Ser tão nobre.

Um ser que perdoou a humanidade que roubou sua liberdade, colocou ferros em sua boca e peso nas suas costas. Uma humanidade que lhe impediu repousar por cerca de 20 anos, açoitado, ultrajado e depois jogado na rua, doente, machucado e com problemas sérios pra andar.

Ele respondeu com amor a cada ofensa.

Não souberam entender esse amor.

Mas Shanti ouviu o seu chamado…

E foi aqui, no colo dela e no meu que ele retornou à liberdade, até que sua alma ficou grande demais pra morar em um corpo fragilizado.

E Dharma parte. Diluiu dor, ascendeu no Amor.
( lágrimas)

E eu sou grata a cada pessoa que dedicou amor a ele, e acolheu a minha dor…

E peço, desperta humanidade.

Boa noite, Filho da minha alma.

Meu amor é pra sempre…

(Em destaque acima, nossa última foto juntos, no hospital, antes um pouco da partida, na  FMVZ – USP).

ÁLBUM DO DHARMA

 

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